quarta-feira, abril 07, 2010

Impressões sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

Deparei-me há uns dias com uma página no Facebook de contestação ao tão falado Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AOLP) e, quando me preparava para aderir, vi um link para o documento propriamente dito. Até hoje, devo ter assinado uma meia-dúzia de petições contra o referido acordo mas a verdade é que nunca o tinha lido e convenhamos que é sempre melhor termos um conhecimento concreto sobre os assuntos relativamente aos quais emitimos uma opinião. E foi assim, que dei por mim a navegar, com alguma atenção, pelas 31 páginas do documento. A princípio preocupava-me o facto de não estar familiarizado com termos como ênclise, tmese e palavras paroxítonas mas a verdade é que o texto se deixa ler relativamente bem. As pessoas que sabem que, há uns anos atrás, me dei ao trabalho de ler a Constituição da República Portuguesa quase toda, poderão desconfiar deste juízo de valor mas a verdade é que o AOLP pode chegar a ser interessante. Reconheço também que as palavras em geral me fascinam, abrir um dicionário corresponde a uma viagem no tempo e na história em que cada palavra tem uma personalidade própria, uma textura, uma cara, uma cor, até um cheiro e que só quando é dita se dá a conhecer inteiramente1; sozinhas ou acompanhadas por outras, geram imagens e sensações únicas. Assim sendo, talvez nem todas as pessoas tenham o mesmo interesse em folhear o Acordo e por este motivo, aqui partilho as minhas impressões, sem quaisquer ambições de erudição, destinadas portanto apenas a pequenos e médios intelectuais2.

A primeira, e sem querer antecipar conclusões, é que o AOLP foi assinado em 1990 por pessoas com nomes tais como Chiarelli, Hopffer, Honwana e, surpresa… Pedro Santana Lopes, enquanto Secretário de Estado da Cultura; é portanto, uma espécie de preparação para o que se segue.

Muito apropriadamente, à semelhança do que se faz na Matemática em que se definem os valores de um domínio ou num programa informático em que se declaram as variáveis à cabeça, o Acordo começa por definir as 26 letras do alfabeto e, logo aqui, temos umas pequenas surpresas: a letra “k” (capa) pode também ser lida como “cá”, é bom saber, e a letra “w” está descrita como “dáblio”; a princípio pareceu-me que poderia ser resultado de uma concessão a pressões do Sr. Pinto da Costa para legalizar a sua pronúncia do Norte mas depois lembrei-me que no Brasil gostam de abrir as vogais. Fiquei mais descansado por logo abaixo ser informado que “os nomes das letras acima sugeridos não excluem outras formas de as designar”. Inicia-se portanto o acordo num contexto de liberalidade.

Esta suposição confirma-se imediatamente a seguir pois estamos autorizados a grafar buganvília, buganvílea ou mesmo bougainvíllea.

Quanto ao “h” inicial e final, tudo pacífico. Já ninguém escrevia herva há muito tempo e fico contente por legitimarem hum! que vou passar a usar nos chats em vez de hmmm.

Uma dimensão interessante deste acordo é que se fica com a sensação de termos “ganho” uma quantidade enorme de novos vocábulos que nunca se sabe quando nos poderão vir a ser úteis: jenipapo, jequiri, jequitibá, jerimum, jiquipanga, jiquiró, jiquitaia, jirau, jiriti, jitirana. Conhecia jiripiti, mas penso que é outra coisa, ou será xiripiti?

Quanto à problemática dos “s”, “ss”, “c”, “ç” e “x”, está salva a Pátria, não me dei conta de qualquer barbaridade. Continuaremos a escrever esconso, abadessa, percevejo, pança e auxílio. Enguiço também, que é uma palavra que uso frequentemente. Confesso que não fui confirmar como se escrevia anteriormente quiçaba, quiçaça, quiçama ou quiçamba. Apenas me surpreendeu a palavra “inexperto” que não conhecia e que pode também vir a ser muito útil. Porém, esta pacífica secção do documento tem uma outra função importante que é a de nos preparar, como quem não quer a coisa, para algumas problemáticas que se antevêem: é que a propósito da letra “x”, é mencionada a palavra “inexato”. Ui, nós sabemos que se escreve com “x”, mas que é feito do “c”? Se calhar está na altura de nos começarmos a preocupar. Porém, o último parágrafo menciona “guizo”, uma das minhas palavras predilectas e fico portanto com uma sensação de algum alívio. Vizela também pode dormir descansada.

Conforme se antevia, a verdadeira crise começa com as “sequências consonânticas”. Malditas! E eis que se dá, desde logo, início a uma autêntica galeria de horrores: ação, afetivo, batizar, coleção, diretor, ótimo. Ótimo, o caraças. A seguir ao “c”, a próxima vítima é o “p”: que assumpção passe a assunção, ainda vá que não vá, agora peremptório a perentório e pior do que isso, sumptuoso a suntuoso e consequentemente sumptuosidade a suntuosidade, é que é catastrófico. Haverá pessoas que não perceberam que as palavras têm uma dignidade que não lhes pode ser retirada? A palavra sumptuosidade nunca mais poderia ser usada porque suntuosidade soa a uma derivação de unto, o que é um contra-senso. Alegam que os “pt” se eliminam nos “casos em que são invariavelmente mudos nas pronúncias cultas da língua”. Ora, não me parece que seja o caso, e mesmo que fosse. Concerteza que alguém pode perguntar: será que a palavra podia viver independentemente da sua grafia? Claro que podia, mas não era a mesma coisa…

Salvam-se as palavras, essas privilegiadas (we few, we happy few, we band of brothers3), que tiveram a sorte de as suas “sequências interiores”, serem “proferidas invariavelmente nas pronúncias cultas da língua”: convicto, pacto, erupção e rapto. Não é justo, o eucalipto não merecia essa distinção; preferimos a versão alentejana de eucalitro.

O “bd”, “bt”, “gd”, “mn” e “tm” escaparam à pena de amputação, mais uma vez, por serem proferidos pelos cultos: súbdito, subtil, amígdala, amnistia e aritmética.

Ao passarmos às vogais átonas, podemos temporariamente voltar a respirar. Ficam definitivamente fixadas as grafias crânio (em vez de crâneo), quase (em vez de quási) e por razões idênticas pátio e lampião. Não me posso esquecer de adicionar lampião à minha lista de palavras preferidas.

Na guerra entre o “o” e o “u” também o bom-senso prevaleceu: há muito tempo que “água” e “tabuada” tinham os seus direitos bem estabelecidos; “engolir” e “femoral” viram a sua superioridade confirmada. Os verbos com flexões rizotónicas também não se podem queixar: devanear, hastear e semear.

Segue-se um período de boa-vontade. Ficamos a saber o modo como se escreve “farnéis” e somos advertidos em relação a “farneizinhos”. Lençóis, mas lençoizinhos, calminha, nada de abusar e pôr um acento no “o”. A benevolência, nesta zona dos ditongos, é a marca principal; cãibra, oraçõezinhas, homenzarrão, virgens, desdéns e vintenzinho. Uma alegria. Até a palavra “sói” que ela própria se julgava morta e enterrada foi trazida à luz do dia e oferecida uma nova oportunidade.

Só quando chegamos às palavras oxítonas é que percebemos que a liberalidade e as benesses que nos foram anteriormente concedidas têm um preço. Em particular as terminadas em “e”. Nesta altura vem ao de cima a nossa veia intolerante, ainda que as correspondentes grafias lusitanas sejam aceites (também era o que faltava). Bidê? Crochê? Purê, caratê e metrô? Estamos a brincar, ou quê? O nenê e o ponjê que se lixem agora, cocô? Haja consideração, estas palavras são simplesmente inaceitáveis na língua de Camões, Pessoa, Cesário Verde e Alexandre O’Neill.

Obrigadinho por tirarem os acentos de enjoo, de homem e de Tejo; há por aí alguém que julgue que ainda estamos no séc. XVIII, é?

As paroxítonas, revelam-se um tema complexo. Vemos a confirmação de dólmen, beribéri e fórum mas somos obrigados a conviver com sêmen e pênis. Isto pode ter consequências sérias… “Vômer” também, mas como não sabemos o seu significado, estamos tranquilos. Há uma sensação clara de perda quando vemos palavrinhas inocentes como “bóia” serem mandatoriamente mutiladas para “boia”, mas o mais grave, é quando um dia quisermos descrever os feitos dos portugueses de antanho como actos, perdão, atos heroicos; que vergonha.

É facultativo o acento em “amámos”. Quer dizer que uma vez que amámos, amaremos para sempre? Bom, talvez se compreenda neste caso particular, mas quanto a louvámos? Não se entende a necessidade desta mudança ortográfica.

Âmbar e ânus estão safos – bômbix e sua variante bômbice não interessam nada.

Por volta da página 12, começamos a olhar para a vogal “e” como estando a ser alvo de uma perseguição; creem e preveem juntam-se à lista das vítimas.

Esta suspeita confirma-se quando olhamos para o tratamento dado às vogais “i” e “u”. Tudo calmo prós lados de Coimbra, ruim, rainha, juiz e igualmente para Luísa, egoísmo, cafeína e graúdo. Nem sei como é que a faísca e a faúlha sobreviveram. A única explicação que encontro é que tenha havido uma espécie de troca de prisioneiros com Piauí, teiú, tuiuiú e cauim.

Também as palavras proparoxítonas foram poupadas. Culpados óbvios como: a língua, o míope, o músico, o trôpego, o sonâmbulo, o lôstrego, o árabe, o sôfrego (este principalmente), o excêntrico, o lôbrego e enfim, a nêspera, saíram incólumes.

Nos casos em que as personalidades eruditas de ambos os lados do Atlântico falam de forma diferente, imperou novamente a liberalidade: fenómeno e fenômeno são ambos aceites. No entanto, quando referem fémea e fêmea não se percebe bem onde querem chegar: haverá algum lugar remoto nesse vasto território da língua portuguesa em que uma pessoa erudita diga fémea? Ténue e génio, sim, mas fémea… Ou então, terá sido esta a parte em que o Dr. Pedro Santana Lopes marcou a sua posição dizendo: eu cá, gosto de lhes chamar fémeas e elas também adoram.

O AOLP tem um lado instrutivo: não sabia que àquele, àquilo e àqueloutro se escreviam com acento grave.

O Acordo está organizado em “Bases”. Na Base XIII deparamo-nos com a crónica de uma morte anunciada. Advérbios de modo acabados em “mente” não têm acentos, já nos tínhamos habituado à ideia. Também não choramos palavritas menores: o bebezito, o heroizito, a cafezada e o pessegozito definitivamente não vencem acento.

Para compreendermos as várias dimensões em jogo temos que ter a capacidade de nos colocarmos na posição dos nossos adversários e é quando chegamos ao capítulo do trema que a nossa perspectiva pode mudar. É que, começamos a dar conta que não são só os lusitanos a abdicar dos seus princípios. Oh gente, é que agora os nossos irmãos brasileiros já não vão mais poder usar o trema (há excepções): saudade, reunião, cinquenta, tranquilo e até mesmo esmiuçar, parecem palavras escritas correctamente, mas só para nós do lado de cá. Outras como abaiucado, auiqui, caiuá, cauixi e piauiense, não conseguimos avaliar a indignação que a ausência do trema possa provocar. Mas sim, neste capítulo, podemos apreciar, ainda que levemente, o sabor doce da vitória.

O hífen está vivo e recomenda-se. Segunda-feira, tenente-coronel, rainha-cláudia, arcebispo-bispo, és-sueste e alcaide-mor estão salvaguardados e estamos portanto solidários com o mato-grossense, o porto-alegrense e mesmo o afro-luso-brasileiro. Inversamente, o paraquedista e a madressilva mantêm a sua honra, ainda que não entendam bem a que se deve a companhia do pontapé. Arriscamos a dizer que nesse lugar recôndito onde se diz fémea, talvez se escreva, mas apenas até agora, ponta-pé. Topónimos, espécies botânicas e zoológicas, advérbios começados por mal ou bem, palavras com aquém e além e muitas outras peculiaridades da língua portuguesa foram todos respeitados. É um prazer ver coexistir o Grão-Pará com Montemor-o-Novo, a fava-de-santo-inácio com a bênção-de-deus (sim, com acento, é uma erva brasileira), o bem-humorado com o mal-afortunado e o recém-casado com o sem-vergonha. E naturalmente que a sala de jantar, a cor de café com leite, o fim de semana e o cão de guarda nunca invocaram para si próprios direitos de nobreza que o hífen confere. Neste capítulo, o Acordo foi tão benevolente que até o percurso Lisboa-Coimbra-Porto e a ligação Angola-Moçambique que ressoam inconfundivelmente a Estado Novo, foram mantidos.

Quando achávamos que o maravilhoso mundo dos hífenes tinha terminado, eis que somos surpreendidos com novas dimensões, provas inequívocas da grandeza da nossa língua, mais concretamente nas “formações por prefixação, recomposição e sufixação” bem como nas misteriosas e já referidas ênclise e tmese. Segue-se pois uma arca de diamantes todos perfeitamente lapidados de acordo com a tradição mais vernácula: o co-herdeiro e o contra-almirante, a arqui-irmandade e o hiper-requintado, o sota-piloto e até o vizo-rei. A pan-negritude apanha aqui uma boleia descarada, mas ninguém se incomoda.

Neste espaço fabuloso, também os sufixos de origem tupi-guarani ocupam o seu lugar à mesa: amoré-guaçu, anajá-mirim, andá-açu, capim-açu. Lindo! Anjos rejubilam, era briluz4. Para quem leu o 2666, o Acordo nesta altura dá-nos a sensação vertiginosa de sermos sugados para dentro do mundo contagiantemente louco do Bolaño.

Voltando à normalidade. Como por vezes acontece, coisas misteriosas perdem o seu encanto quando dadas a conhecer; afinal os capítulos da ênclise e da tmese limitam-se a consagrar expressões como: amá-lo, dá-se, deixa-o, partir-lhe, amá-lo-ei ou enviar-lhe-emos. Por alguma razão, estes exemplos, transpostos directamente do Acordo, parecem constituir um romance minimalista; afinal é capaz de ficar aqui qualquer coisa por esclarecer, ou então é ainda o Bolaño a fazer efeito.

E em seguida, uma outra glória, o apóstrofo. O respeito pelos pergaminhos da língua portuguesa foi impecável. Sant’Ana, Nun’Álvares e Pedr’Eanes juntamente com pau-d'água, pau-d'alho, pau-d'arco e pau-d'óleo dão uma ideia da abrangência, da pluralidade e da elevação desta língua de tantos séculos e continentes. Mais uma vez, o Acordo é instrutivo ao enunciar as designadas uniões perfeitas (que por este motivo e com muita propriedade, não levam apóstrofo): dessoutro, naqueloutras, dalhures e o seu expoente máximo, doravante.

Estávamos nós animados, já quase prontos a conceder algum mérito ao AOLP, eis senão quando, aparece um tema que, mesmo antes de o lermos, quiçá influenciados pelos rumores que correm, nos causa alguma apreensão: “Das minúsculas e maiúsculas”.

Começa logo mal: outubro e primavera. Seguidamente, norte e sul. Suspeita-se aqui de algum favorecimento, porque Matemática, Português e Línguas e Literaturas Modernas, ainda que não recomendado, podem manter opcionalmente as maiúsculas.

No geral, apesar de alguns desgostos que este capítulo nos causa, concluímos que nem tudo está perdido. Mantém-se o Natal, a Páscoa, Todos os Santos e até mesmo o Ramadão, bem como o incontornável “Instituto de Pensões e Aposentadorias da Previdência Social”.

Já próximos do fim deste calvário há ainda lugar para a divisão silábica, que sendo um tema que não serve para nada, podemos sempre aproveitar para aprender qualquer coisa. Confirmamos de uma vez por todas que o plural de sacristão é sacristães e que, já agora, curiosamente, só tem duas sílabas, a saber, sacris- tães.

O Acordo propriamente dito, termina enunciando os direitos inalienáveis adstritos à assinatura do nosso nome, conforme ao costume. Bonito. O mesmo se aplica a nomes de firmas, sociedades, marcas e títulos.

Da página 22 até à última, a 31, estende-se uma nota explicativa do acordo, de onde podemos retirar alguma informação interessante.

A primeira, é que a língua portuguesa tem duas ortografias oficiais: a lusitana e a brasileira. Lusitana, é bem castiço.

A segunda, é que a culpa desta lamentável e prejudicial situação se deve a uma reforma ortográfica que ocorreu em Portugal em 1911, não extensiva ao Brasil, e que foi por iniciativa da Academia Brasileira de Letras que em 1931 se começaram a tentar minimizar os inconvenientes.

Ficamos também a saber que a história dos sucessivos acordos ortográficos é antiga e tem sido sempre polémica.

A língua portuguesa era constituída em 1986 por um corpus de cerca de 110 000 palavras e o actual acordo consegue unificar aproximadamente 98% do vocabulário. O número de palavras abrangidas pela dupla grafia é de 0,5%, correspondente ao número mágico 575.

Segue-se uma explicação das opções tomadas nos casos conflituosos, o que permite inferir que quem redigiu o Acordo está bem informado e algumas das decisões chocantes tornam-se mais compreensíveis. Há um parágrafo bem explícito que transcrevo: “como é que uma criança de 6-7 anos pode compreender que em palavras como concepção, excepção, recepção, a consoante não articulada é um p, ao passo que em vocábulos como correcção, direcção, objecção, tal consoante é um c?”

Há porém uma questão fundamental que o Acordo, tanto o texto propriamente dito, como as notas explicativas, não esclarecem. De onde advém a necessidade do acordo? Numa dada altura, é dito que a divergência ortográfica “tem sido considerada como largamente prejudicial para a unidade intercontinental do português e para o seu prestígio no Mundo” mas esta afirmação não está fundamentada. Mais à frente, refere o problema da “consulta dos dicionários, uma vez que as palavras em causa vêm em lugares diferentes da ordem alfabética, conforme apresentam ou não a consoante muda”, mas não parece que tal justifique esta revolução ortográfica.

Outra questão que não vale a pena abordar é a de quem é que escreve, e já agora, fala, correctamente? A língua evolui de forma natural, e ainda que possamos detestar ou simplesmente achar ridículo um determinado termo ou grafia, todos concordamos que, depois de descontadas algumas aberrações e estrangeirismos, nenhuma corrente tem mais autoridade que as outras. Aliás, noutro sítio que não neste texto, poderia demonstrar como certas formas hoje consideradas obsoletas e até incorrectas têm maior legitimidade histórica; um tema bem interessante e curioso.

Nesta altura, deveríamos estar em condições de finalmente emitir opiniões e conclusões sobre o AOLP.

Mas antes disso, acho que vale a pena relembrar que as palavras são entidades muito poderosas. Palavras podem fazer cair um Império, podem romper irreversivelmente invólucros sentimentais5 e ferir tanto como espadas. As palavras, ditas ou escritas, mais do que as imagens, podem revelar a verdade e a verdade pode ser insuportável; a mentira não tanto. As palavras ligam afectivamente as pessoas, são elementos constituintes da nossa memória, permitem-nos comunicar com os nossos antepassados e dão-nos uma sensação de pertença e estabilidade neste mundo impermanente.

A língua de um povo transmite os seus valores de geração em geração e a ortografia cristaliza as suas idiossincrasias. Através das palavras, os homens podem exprimir o sublime e vislumbrar o transcendente.

A mitologia em geral, e a grega em particular, está recheada de histórias em que homens e deuses, imprudentemente, ousaram interferir na organização cósmica e natural, e arrependeram-se. As religiões também: no princípio era o Verbo, o Universo criado a partir da Palavra, era essa a intuição dos antigos, e depois, a harmonia do Paraíso quebrada pelo desejo do homem de controlar processos que estão para além da sua competência.

Estou obviamente a dramatizar e não se pode concluir que a ortografia da língua portuguesa não possa ser mudada por decreto, mas não tenho a certeza que a dimensão quase sagrada da língua tenha estado presente na mente de quem gizou o Acordo. Por outro lado, parece-me estarmos perante um objectivo impossível dada a referida relação entre ortografia e cultura, e esta não está certamente em processo de convergência entre os países que o assinaram.

Uma coisa sobre a qual talvez valha a pena reflectir, e que o AOLP não menciona, é que a reforma de 1911 produziu resultados efectivos e meritórios; será que tal se deve precisamente ao facto de esse objectivo de harmonização não ter estado presente?

Para terminar, um pormenor que não passa despercebido é a enorme quantidade de notas de rodapé referentes aos lapsos do texto oficial, corrigidos na versão a que tive acesso (que contempla a Rectificação n.º 19/91), e que, em parte, descredibilizam o Acordo e nos levam a questionar o respeito com que este assunto foi tratado.

 
Alberto Mesquita
30 de Março de 2010


Notas:
1. Ideia expressa em “L Antruido de las Palabras” de Francisco Niebro em Cebadeiros, ed. por Campo das Letras, 2002, link disponível aqui
2. Expressão extraída de http://bitaites.org/
3. "St. Crispen's Day Speech" em Henry V de William Shakespeare
4. Expressão usada na tradução brasileira de Jabberwocky, de Lewis Carroll, por Augusto de Campos
5. Expressão mencionada numa exposição de fotografia, em Coimbra, na Casa da Cultura, e cujo autor irei tentar identificar.

domingo, junho 21, 2009

Textos Sobre a Existência de Deus e Ética

Os dois textos que se seguem foram escritos há 3 ou 4 anos, numa altura em que me interessei por estes assuntos e, quando achei que estava em vias de me esquecer das ideias que fui compilando, entendi passá-las a escrito, tal como as tinha organizado mentalmente. No período que se seguiu não fiz qualquer desenvolvimento sobre os temas e só quase por acaso os revisitei recentemente. São textos sem qualquer ambição nem particular preocupação de rigor em termos de forma ou conteúdo.


Reflexões sobre a Existência de Deus

"There are more things in heaven and earth, Horatio, than are dreamt of in your philosophy"

- Hamlet, acto 1, cena V, William Shakespeare

1. Tomemos como ponto de partida, o facto de o Homem ser mentalmente livre, ou seja, dotado de livre arbítrio.

Este facto, aparentemente simples, poderá explicar a razão pela qual Deus não se mostra através de expressões evidentes, dando lugar ao conceito de fé.

Se Deus se mostrasse visivelmente, não seríamos verdadeiramente livres, mas apenas bem ou mal comportados, mais ou menos disciplinados.

Sem a certeza da existência de Deus, existe lugar para a consciência, para opção entre o Bem e o Mal. Se a existência de Deus fosse evidente, não teríamos esta liberdade.

Grande parte dos que que não têm fé, baseiam-se no facto de não acreditarem no que não vêem. Se vissem porém, não eram livres.

Esta argumentação não prova a existência de Deus mas elimina racionalmente um dos motivos principais pelo qual muitas pessoas não acreditam na existência de Deus.

Poderá então deduzir-se que a existência de Deus não é demonstrável pela razão humana, caso contrário estaríamos perante uma contradição com o ponto anterior pois Deus não se mostrava, mas permitia que fosse provada a sua existência, caíndo novamente na situação de ausência de livre arbítrio.

Sem a referida liberdade, o Homem teria uma dignidade mais reduzida, cujo mérito se restringiria à capacidade de cumprir melhor ou pior, os preceitos decorrentes de uma determinada noção de Bem e de Mal.

Essa noção não seria necessariamente idêntica em todos os seres humanos nem sequer coincidente com a actual. Ainda assim é altamente provável que, qualquer que fosse o grupo social considerado, existisse uma moral vigente, por duas razões elementares que poderão não ser dissociáveis: por surgir de modo instintivo e/ou por constituir condição indispensável para o funcionamento e sobrevivência desse grupo social. Dado que estamos a supor a ocorrência de manifestações evidentes da existência de Deus, a noção de Bem e de Mal seria também provavelmente influenciada pela forma que essas manifestações tomassem.

Nesse contexto, e independentemente dos parâmetros que regessem o comportamento considerado correcto, seria evidente que Deus, o Criador por definição, “desejaria” que esse conjunto de regras fossem cumpridas da melhor maneira possível pois tal asseguraria uma maior prosperidade da sua Criação e portanto seria também evidente, ou pelo menos altamente receado, que viesse a ser feita justiça, após a vida, quanto ao maior ou menor cumprimento dessa moral vigente.

Podemos então interrogar-nos se a possibilidade do Mal, não será apenas uma consequência indispensável para o livre arbítrio que foi concedido aos homens e, como foi dito, para a sua dignidade.

2. Consideremos as seguintes questões : O Universo é finito ou infinito? E o tempo?

Não conseguimos imaginar nem uma coisa nem outra. Não conseguimos sequer perceber integralmente o conceito de infinito ou a sua aplicação a qualquer situação real. Também a idealização de um Universo finito gera paradoxos que não nos é possível resolver.

No entanto, estas questões têm sentido e as respectivas respostas teriam impacto em múltiplas áreas do conhecimento. As consequências da incapacidade do Homem em apreender o conceito de infinito poderão ser largamente estendidas, ao ponto de levantar a hipótese de este constituir a pedra angular das grandes interrogações e paradoxos com que a Humanidade se depara.

Se a nossa percepção de espaço e tempo está posta em causa através desses aparentes paradoxos, como podemos achar que a racionalidade explica tudo e deve reger, de modo exclusivo, a nossa cosmovisão?

Cientes deste facto, deveríamos abrir a possibilidade de integrar nos nossos raciocínios lógicos, conceitos não demonstráveis e habitualmente tidos por não objectivos, tais como a Fé, a Verdade, a Bondade ou porque não, a Beleza ou o Amor.

Numa era em que o uso da razão constitui um verdadeiro dogma, é conveniente demonstrar que a sua utilização exclusiva se traduz numa visão limitada sobre a realidade ainda que este excesso de objectividade constitua historicamente uma reacção a atitudes, que a antecederam, em que a sua falta conduzia a perspectivas não menos limitadas.

3. Os número imaginários poderão também ajudar a compreender o conceito de fé.

Resumidamente, um número imaginário (i) foi definido matematicamente como sendo aquele cujo produto por si próprio dá o resultado de -1 ou, o mesmo é dizer, a raiz quadrada de -1. Claro que este número não existe porque tanto -1 x -1 como 1 x 1 dão o resultado de 1. Podemos, no entanto, definir que esse número (i) existe, e nesse caso teríamos por consequência que i x i = -1, i + i = 2i, i x –i = 1 ou ainda que e*xi = cos(x) + sin(x)i (equação de Euler, em que * significa ‘elevado a’), de demonstração mais complexa.

Estas noções constituem um pilar da Matemática. Não é possivel conceber o mundo científico de hoje sem a descoberta dos números imaginários e a sua aplicação prática é enorme, não substituível por um qualquer outro conceito.

E tudo isto a partir de algo que não existe, segundo a nossa comprensão das operações mais básicas com número inteiros.

A analogia com o conceito de fé, é directa. Se partirmos do princípio que Deus existe, ainda que contrária à nossa tendência para não acreditar no que não nos é dado ver, poderemos chegar a um tipo de conhecimento não alcançável de outro modo. Segundo o ponto de vista não crente, estamos a partir de um princípio errado e portanto as conclusões que daí tirarmos estarão postas em causa. No entanto, já se viu que com os números imaginários se passa o mesmo, o que segundo esse mesmo princípio racional nos dá a legitimidade para o fazer.

E é de facto extraordinário onde se pode chegar, reflectindo a partir desse princípio que Deus existe. É possível tirar conclusões que poderão naturalmente parecer estranhas a quem nunca ‘entrou’ por esse caminho. S. Anselmo dizia que "acreditava para poder saber".

À semelhança das reflexões anteriores, este raciocínio não prova a existência de Deus mas contesta um dos argumentos contra a sua inexistência.

4. A existência de Deus, quando tentada provar pelo lado afirmativo baseia-se essencialmente na Criação. Quem criou o que existe?

Não as plantas ou os animais (estes são certamente uma consequência) mas sim, o Universo. Tudo começou ao que parece, com uma enorme explosão há 15 mil milhões de anos mas, o que existia antes? Ou então, ‘quem’ a produziu? Ainda que essa explosão tenha resultado de um sistema cíclico de implosões e explosões de Universos, ‘quem’ iniciou este ciclo?

‘Sentimos’ instintiva, e também objectivamente, a necessidade de existência de um Criador, sensação esta que é totalmente legítima, na medida em que já vimos que a racionalidade pura será sempre insuficiente neste âmbito.

É essa necessidade que poderá estar na origem da tendência natural e comum entre povos com diferentes origens, raças e culturas, para acreditarem na existência de uma entidade sobrenatural.

5. É notável que a dúvida sobre a existência ou não de Deus permaneça ao fim de tanto tempo, de séculos de reflexão. Existem diversas manifestações externas, como aparições e milagres, mas que se mantêm na fronteira extremamente estreita de não provarem inequivocamente a existência de Deus, apenas reforçarem a convicção dos que acreditam, sem no entanto, forçarem os não crentes a fazê-lo. Também a evolução científica produz sucessivamente novas descobertas que até agora nunca colocaram realmente em causa o lugar da fé.

Não sendo uma prova da existência de Deus, estes factos podem constituir um ponto de partida para a reflexão.

6. Surge ainda a grande questão do “porquê” ter Deus criado o Universo, que por sua vez (com ou sem intervenção divina) gerou homens capazes de decidir sobre o Bem e o Mal, auto-conscientes, limitados fisica e mentalmente, e que se questionam sobre a Sua existência. Esta questão, por não ter uma resposta óbvia, e no entanto parecer pertinente, afasta algumas pessoas da fé, face à ausência de um sentido e de um fim para a Criação.

De um ponto de vista racional, seria certamente mais fácil chegar à ideia de fé se fosse possível compreender o objectivo da Criação. Mas este conceito humano de uma determinada acção ter um fim, não é, neste caso, aplicável. Um ser todo-poderoso, com a capacidade de criar um Universo, não tem que ter objectivos pois quaisquer que eles sejam, deverá poder alcançá-los. O porquê de Deus ter criado o Universo constitui uma questão que não tem que ter uma resposta e não deverá portanto constituir um argumento de não-fé.



Reflexões sobre Ética


É costume, de acordo com a nossa tradição cultural, aceitar como válidos, os raciocínios e argumentações que cumpram as regras formais da lógica. Mesmo em temas que partem de princípios subjectivos ou não demonstráveis, como por exemplo a teologia, o cumprimento dessas leis constitui um pilar da sua estrutura e desenvolvimento.

Podemos incluir as análises custo-benefício, numa perspectiva alargada da argumentação lógica e cuja definição simplista seria a de que face a duas soluções para um determinado problema, aquela que apresentar objectivamente um saldo mais favorável entre vantagens e desvantagens, será uma solução considerada melhor e portanto preferível.

À partida, esta regra não deveria ter excepções. Se, de facto, uma solução apresenta um conjunto de vantagens/desvantagens melhor que outra, em que circunstâncias fará sentido optar por outra ou outras?

Um exemplo muito explícito, ainda que mórbido, é o seguinte: consideremos o problema da existência de uma eventual doença infecciosa, afectando a espécie humana, mortífera e transmissível através do contacto, à semelhança de vários casos reais, passados e actuais. Suponhamos ainda que, num determinado momento, a nível mundial, existe um certo número de pessoas infectadas, número esse que todos os especialistas na matéria seriam unâmimes em que iria, a prazo, crescer significativamente.

Numa fria análise custo-benefício seria defensável e até preferível, a solução de simplesmente ‘eliminar’ todos os elementos infectados num determinado momento, uma vez que estes seriam certamente os agentes da transmissão da doença aos futuros afectados, realizando-se deste modo uma grande ‘poupança’ de vidas.

Este exemplo, bastante desagradável, mas elucidativo, evidencia uma situação que embora evidentemente inaceitável, poderá ser de difícil contestação, fora do plano ético.

Talvez possamos arriscar uma definição de Ética como sendo a área do saber que se debruça sobre todas aquelas situações em que as análises do tipo custo-benefício não se podem e/ou devem aplicar.

Uma forma de validar esta abordagem do conceito de Ética consiste naturalmente em verificar a sua aplicabilidade às questões que actualmente se considera estarem incluídas no seu âmbito. Uma passagem superficial por várias dessas questões poderia, desde logo, induzir uma conclusão favorável no entanto, antes de entrar na análise de alguns casos práticos, valerá a pena estabelecer uma das principais consequências a retirar desta abordagem, caso se verifique a sua validade.

Para além das vantagens inerentes a uma formalização do conceito de Ética, a principal ilacção a retirar desta abordagem, é a de poder estabelecer que se uma determinada questão se insere, ainda que intuitivamente, no campo da Ética, então, argumentações do tipo custo-benefício realizadas no âmbito da sua análise, devem ser encaradas com reservas. Isto significa, em termos práticos, que os pontos de vista enunciados durante a discussão dos temas éticos deverão ser condicionados por uma restrição à aplicabilidade do referido conceito de custo-benefício, tão intrinsecamente constituintes de uma argumentação lógica tradicional.

Alguns casos práticos :

- quando relativamente ao tema da pena de morte se argumenta que a execução de um condenado induz, em termos estatísticos, uma redução de futuros crimes, será este argumento válido?

- quando relativamente ao aborto se refere que a sua liberalização permite uma redução do número de acidentes resultantes de abortos clandestinos e portanto uma melhoria do saldo global de vantagens e desvantagens, será este argumento válido?

- quando num caso de separação de gémeos ‘colados’ se procede à sua separação, com a consequente morte de um deles, com a argumentação de que caso não fossem separados, morreriam os dois, será este argumento válido?

Poderíamos ir ainda mais longe se afirmássemos que o tema da Vida, de um modo genérico, é uma questão ética e portanto no âmbito da não aplicação do conceito custo-benefício.

E se no conceito de vida incluírmos a vida não inteligente, e a Natureza de uma forma global, então muitas outras questões se levantam, que a título de exemplo, se poderão indicar as seguintes:

- as medidas de erradicação da BSE ou da febre aftosa, que passam pela exterminação maciça de animais, estarão correctas, ainda que perfeitamente defensáveis numa perspectiva de análise custo-benefício?

- será correcto justificar permanentemente as decisões de conservação da natureza através da necessidade de desenvolvimento sustentado e benefício da humanidade a longo prazo, numa clara atitude de custo-benefício, ou será que a própria natureza possui uma dimensão ética, com uma valor e ‘dignidade’ que dispensam esse tipo de justificações, claramente insuficientes?

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Uma Imagem e Mil Palavras


Dizem-me que uma imagem vale por mil palavras. Talvez seja verdade, mas aquilo que espero é que uma imagem e mil palavras possam ser mais do que duas mil.

Dou agora início a uma série de posts com um objectivo, o mesmo de sempre; transmitir a mensagem ecológica e contribuir para a conservação da Natureza. Uma vez que, na vida, não nos podemos dedicar a todas as causas a que aderimos, escolho esta.

Noutros lugares da Net, tenho optado por fazê-lo publicando simplesmente imagens naturais de Portugal, pois durante muito tempo acreditei que esta seria a melhor maneira de passar a mensagem. Na esperança, de que as paisagens apresentadas tocassem na consciência ecológica que existe em cada um, por mais funda ou reprimida que esteja. Mas o que tenho concluído é que para se gostar verdadeiramente de alguma coisa e portanto, se querer preservá-la, é necessário conhecê-la com alguma profundidade, e para isso são também necessárias as palavras; as tais mil palavras que nos falem da imagem, seja contando a sua história ou qualquer outra forma de sinergia (ou melhor, simbiose) de que possa resultar, espero, uma maior proximidade e compreensão daquela que é para mim, a mais importante das causas ambientalistas: a conservação da Natureza.

É isso que pretendo fazer: em cada post, colocar uma, ou mais, fotografias, das muitas que fui coleccionando ao longo de quase 30 anos de passeios a pé pelo que resta de espaços naturais em Portugal e fazê-la/s acompanhar de um pequeno texto.

No entanto, neste primeiro, numa quase desesperada tentativa de captar a atenção, opto antes por fazer uma espécie de concurso. Por alguma razão que não consigo perceber bem, é uma modalidade que desperta grande interesse em muitas pessoas como se pode perceber pelas audiências dos programas de televisão desse tipo.

Lembro-me de há uns anos, quando os meus filhos eram bem mais pequenos, levá-los a dar passeios por umas áreas de mata e zonas agrícolas, que havia ao pé da nossa casa de fim-de-semana, perto de Miranda do Corvo, e de ter grande dificuldade em motivá-los a continuar a andar. Ao fim de poucos quilómetros, o mais novo (Gui) queixava-se que sentia as pernas "velhinhas" e a mais velha (Carolina) começava a perguntar de 3 em 3 minutos quando é que chegávamos a casa. Até que um dia me ocorreu fazer um concurso: ver quem é que ao longo do passeio conseguia recolher mais cartuxos de caça que se iam encontrando ao longo do caminho. Foi um verdadeiro sucesso porque nesse dia (e noutros dias, noutros passeios, noutros sítios) ninguém se sentiu cansado, para além das vantagens da limpeza que fizeram. Ainda hoje lá devo ter algures, uns sacos com cartuxos porque, claro, depois de tanto trabalho, não se podiam deitar fora.

Assim, o concurso consiste em identificar a partir das três imagens, o local onde foram obtidas.

Ganha quem primeiro conseguir determinar o nome exacto desta proeminência rochosa que, posso antecipar, é monumental, com cerca de 40 metros de altura, suponho eu.

A imagem no início do post, é do vale que se pode ver a partir do local. Posso também dizer que é em Portugal, como aliás se poderia deduzir do texto acima.

Queiram pf apresentar as V/ respostas nos comments.

Se não conhecer o sítio mas tiver um palpite em relação à zona ou souber o nome do vale, também será considerado no caso de não haver nenhuma resposta completa.

Daqui a uns dias, darei a solução, com alguma informação adicional.

Quanto ao prémio é que não convém ter grandes expectativas.

Por curiosidade, diz-me o Word que escrevi até este momento, 591 palavras e 2889 caracteres (sem espaços), apenas. Continuemos, portanto.

Não sei se este local ainda existe, tal como o vemos nas imagens. Não, penso que ainda não chegou lá nenhuma estrada nem foi construída nenhuma maison, aldeamento turístico ou mesmo qualquer edifício do estado ou de "utilidade pública". No entanto, disseram-me há dias que ao fundo do vale, virando para Norte ao longo do rio, tinham alargado um caminho de terra e aproveitado para "regularizar" as pedras que se encontravam dispersas pelo leito seco. Certamente algum iluminado que achou que deveria corrigir as "imperfeições" da Natureza. Hoje em dia, com os meios mecânicos acessíveis a baixo preço, qualquer atrasado mental (sem desconsideração para quem sofre de algum tipo de deficiência mental) pode mandar fazer as maiores barbaridades ambientais, sob a bandeira do progresso e do desenvolvimento.

Já lá vai, há muito, o tempo do lavrador que usava a terra de forma sustentável e que a moldava equilibradamente. Hoje, o que mais prolifera é o ignorante que abre uma estrada, regulariza o leito de um rio, requisita uns postes de electricidade e iluminação ou manda plantar uns eucaliptos, em coordenação com o autarca que pretende mostrar serviço para ganhar votos ou simplesmente dar uso aos fundos que lhe são postos à disposição no âmbito de um qualquer programa de investimento (leia-se betão).

Mas não é nisto que estava a pensar. Se a paisagem já não existir tal como a vemos nas imagens, isso será provavelmente devido a algum incêndio que por lá tenha lavrado recentemente. E sobre este assunto, neste momento um pouco adormecido, ocorrem-me algumas ideias que gostava de partilhar convosco até perfazer as tais mil palavras.

A primeira ideia é de que os incêndios são uma coisa natural. De um certo ponto de vista, é apenas a Natureza a corrigir excessos. Plantam-se monoculturas de pinheiro e eucalipto e, tal como já havia sido alertado há décadas pelos ambientalistas, a desgraça é inevitável. A terra seca e as árvores ardem a uma velocidade impressionante. Deste ponto de vista, nem seria propriamente um problema. O verdadeiro drama é que no meio da voragem, ardem também por vezes, relíquias de vegetação autóctone, com valor estético e paisagístico insubstituíveis e que suportam comunidades animais que não sobrevivem fora desse habitat. A conclusão óbvia desta primeira ideia é que não é possível resolver o assunto dos incêndios sem uma mudança de política florestal. "Nem mais um eucalipto plantado nas nossa matas..."

Uma segunda ideia tem a ver com a chamada economia do fogo que é absolutamente indispensável quebrar. Ninguém pode beneficiar com o aumento de incêndios. Exemplos: o bombeiro (ou o chefe, ou o irmão, ou o cunhado) não poderá ter uma empresa de venda de materias de combate a incêndios (basta aplicar algumas das regras já existentes para as compras na função pública e de ética empresarial); os contratos com aviões e outros meios deste tipo seriam contratados por valor fixo por época ou integrados em organismos estatais. Resultado, havendo menos incêndios, o esforço é menor e ganha-se mais dinheiro porque há menos custos.

A terceira ideia, tem a ver com a divulgação de imagens. Restrições, auto-regulamentadas pelos media ou não, que impeçam o desenvolvimento de tendências incendiárias. Nada de novo, se pensarmos que este conceito já é aplicado hoje em dia por exemplo na divulgação de suicídios; se sair a notícia de que alguém se atirou para linha de metro, na semana seguinte há mais três ou quatro que fazem o mesmo. Ou, todos nos lembramos, da altura em que um desperado se barricou com um (ou mais, não me recordo) refém nas instalações da RTP na 5 de Outubro e que gerou logo um efeito de cascata. Ou ainda, o que aconteceu recentemente nos motins em França.

Estas ideias, que não têm nada de original, surgem-me a partir do que considero um bom ponto de reflexão: porque é que há 30, 100 ou 200 anos, com muito menos meios de combate a incêndios, a dimensão do problema era muito menor? Já agora, por favor, não me falem da limpeza das matas que é daquelas coisas que só me ocorre caracterizar como sendo mais um dos designados mitos urbanos.

De incêndios, estamos conversados por agora, que aliás nem era sequer o tema que nos trouxe aqui. Noutros posts falarei de assuntos mais agradáveis.

Olhando novamente para a primeira imagem, vem-me à ideia a "fina abundância de azul" a que o Eça se referiu algures na sua obra.